O tabaco
Apesar de só existir no nosso continente nos últimos séculos, o tabaco já era usado pelos nativos das Américas antes de ser trazido para a Europa no século XVI, principalmente pelos conquistadores Espanhóis e em menor grau pelos Portugueses.
Desde então foi usado com vários fins, seja como moeda de troca, como sinal exterior de riqueza e chegou inclusive a ser considerado como tendo efeitos benéficos para a saúde, nomeadamente no tratamento de enxaqueca ou da depressão.
Foi a partir da Primeira Grande Guerra Mundial que o consumo de tabaco viveu o primeiro boom de crescimento e ninguém suspeitava de que pudesse fazer mal. A partir da Segunda Guerra Mundial generalizou-se ainda mais o ato de fumar.
Entretanto, nos anos 60 surgiram os primeiros estudos a relatar que o uso de tabaco estava associado a doenças como o cancro, doenças cardíacas e vasculares e também respiratórias.
Se viu a série televisiva “Mad Men” terá apercebido de como as companhias tabaqueiras utilizaram abusivamente a publicidade para ofuscar e tentar conter a implosão que estes resultados teriam nas suas vendas. Nessa altura não existiam as entidades regulatórias que temos atualmente, pelo que graças a esta pressão da indústria tabaqueira as primeiras evidências cientificas foram sempre contestadas e abafadas e só algumas décadas depois foi declarada uma guerra formal ao uso do tabaco.
Apesar do esforço da maioria dos médicos, noto que uma grande percentagem dos fumadores não querem sequer pensar nisso. A maioria dos doentes não conseguem deixar de fumar devido a uma sensação de dependência absoluta, que por vezes até influencia negativamente a vida profissional, pessoal e familiar.
Podem ser tentados vários métodos, desde aconselhamento ao tratamento com medicamentos, mas nem sempre conseguimos atingir o nosso objetivo. Felizmente, existem bastantes casos com final feliz, incluindo pessoas com fumavam mesmo muitos cigarros por dia, o que é sempre um motivo de alegria e de realização pessoal para qualquer médico.
Curiosamente, estas pessoas que deixaram de fumar são posteriormente os maiores apologistas da guerra contra o tabaco e nem sequer podem ver uma pessoa a fumar que ficam logo incomodadas. São histórias como esta que mantém a esperança e motivação para continuarmos esta luta contra o cigarro.
O papel do tabaco na DPOC
O tabaco é o principal culpado pelo desenvolvimento da DPOC – a partir de agora que não tenha mais dúvidas sobre esta relação. Isto acontece quer a pessoa fume, quer tenha contato frequente com o fumo do tabaco de forma passiva, seja no trabalho, no café ou em casa. Sim, é verdade, se fumar dentro de casa ou no carro está a por os seus filhos em risco.
Sabia que os cigarros vendidos ao público, nas tabacarias e outras superfícies, apresentam mais de 4200 substâncias tóxicas? Estas são responsáveis por várias doenças, seja o cancro, doenças cardíacas ou respiratórias e a Nicotina é o componente que provoca no cérebro a dependência demoniaca do tabaco.
O vício da Nicotina até há pouco tempo era apenas considerado um mau hábito que era prejudicial para a saúde. Recentemente, foi catalogado oficialmente como uma doença. Devido ao seu efeito aditivo, é muito difícil dizer que uma pessoa está curada a cem por cento. Existe sempre o risco de voltar a pegar “só num cigarro” e deitar tudo a perder. Porque nunca é apenas “só um” …
A razão porque as pessoas ficam viciadas na Nicotina já é conhecida. Existem uns recetores no seu cérebro que quando são ativados pela Nicotina produzem a sensação de calma e prazer, que a maioria dos fumadores refere e é esta substância a responsável pelos sentimentos “positivos” de fumar.
No entanto, quando esses recetores que estavam ativados perdem o contato com a Nicotina, inicia-se o chamado “período de privação”, com os seus sintomas indesejados e desagradáveis: a dor de cabeça, a ansiedade, a agitação, a necessidade urgente de fumar, etc. E são estas queixas que tornam tão difícil parar de fumar e são responsáveis pelas taxas de abandono do tabagismo abaixo do que seria desejável.
É demais conhecido que o uso do tabaco está fortemente associado ao aparecimento da DPOC, a mais sintomas, a maior gravidade, bem como a um pior prognóstico. Hoje sabemos também que a carga tabágica (ou seja, a quantidade que uma dada pessoa fuma) está relacionada com a pior evolução da doença, nomeadamente com um maior grau de declínio da função pulmonar. O género feminino é o mais sensível aos efeitos do tabaco, seja por questões anatómicas como por motivos biológicos.
O maior problema do consumo de tabaco para os pulmões é que o fumo que é inalado provoca uma reação inflamatória muito forte nas vias aéreas. O estado inflamatório da DPOC a longo prazo pode levar a uma maior dificuldade na expulsão do ar previamente inspirado, bem como promove a destruição dos alvéolos (o Enfisema Pulmonar), que são as estruturas responsáveis pelas trocas gasosas e que permitem que a oxigenação seja eficaz.
Os dados mais recentes apontam que 20-50% dos fumadores têm ou poderão vir a ter DPOC, no entanto, quase 90% dos casos dos doentes com a doença têm ou já tiveram algum contato com o tabaco. Este risco aumenta com o número de anos e de cigarros que se fumam por dia. Se estiver a diminuir o número de cigarros consumidos por dia está a reduzir esse risco, apesar de não ser possível eliminá-lo completamente. Infelizmente, quando se deixa de fumar não é possível retomar a função pulmonar para os valores de quem nunca fumou, mas o seu declínio será sustido.
Por isso, se fuma deve parar, se não fuma continue assim, que está muito bem e a proteger os seus pulmões. Pode estar a perguntar-se “então, mas se apenas 20-50% dos fumadores têm DPOC a maioria não tem problemas!”. As coisas não são tão simples assim. Apesar do seu efeito mais conhecido na parte respiratória, o tabaco também afeta outros órgãos como o digestivo ou o cardíaco.
Primeiro, ainda existem muitas pessoas que nunca fizeram uma espirometria, que é fundamental para se fazer o diagnóstico, ou que se deparam no seu dia-a-dia com dificuldade em trabalhar ou mesmo simplesmente em viver e não sabem porquê. Por outro lado, existem muitos trabalhos e reputados investigadores que referem que muitas pessoas fumadoras não têm critérios para serem diagnosticados com DPOC, mas apresentam muitos sintomas e já algum grau de alteração na espirometria, o que pode querer indicar que será necessário adaptar os valores de referência para esta população, de modo a que não estejam tanto tempo sem atenção médica.
Os dados em Portugal são assustadores. Em 2015 um terço da população fumava ou tinha fumado recentemente e o tabagismo foi o responsável direto por 11% das mortes no país. Existe ainda um maior predomínio dos homens: 31% versus 22% nas mulheres. Infelizmente, as estatísticas revelaram que os fumadores com DPOC apresentam maior consumo de tabaco e maior dependência do mesmo, comparando com os fumadores que não têm DPOC. É de facto um problema importante e que torna ainda mais complicada a abordagem a estes doentes.
Não vale a pena estar a pensar que pode trocar o cigarro pelo charuto ou o cigarro eletrónico. O perigo é o mesmo, só que com uma máscara diferente, aliás, é público que a Sociedade Portuguesa de Pneumologia recentemente emitiu um parecer negando qualquer vantagem dos cigarros eletrónicos.